10.17.2008

Nada do que se Queixar

Mulher que é mulher, se eventualmente se chateia por qualquer coisa no trabalho ou está cansada e não tem pachorra para o seu homem… desdobra-se a tentar agradar-lhe, esforça-se por sorrir e ser agradável, etc. Se apesar de todos os seus esforços, não consegue evitar o ar de enterro e se miraculosamente o seu homem se apercebe que ela “não está nos seus melhores dias” e até lhe ocorre preocupar-se: “O que se passa? Porque é que estás assim?”, ela explica-se detalhadamente, tenta garantir a todo o custo que ele percebeu que a culpa não é sua e se for, porque é que é, em que parte é, em que parte não é, em que parte é que é mais ou menos… tudo para que sua excelência não se sinta injustamente punido, para tentar encontrar a paz e o consenso e mais uma data dessas coisas em que só mesmo as mulheres é que pensam…

Homem que é homem, se eventualmente se chateia com qualquer coisa que inclui ter mandado uma pantufada com o dedo mindinho no canto do sofá, ter perdido o Benfica a jogar com uma equipa qualquer da terceira divisão porque tinha um trabalho para acabar, ter visto mais de 5 minutos de telenovela seguidos contra a sua vontade ou qualquer outro factor totalmente aleatório, sente-se no pleno direito de fazer a pior cara que conseguir. Faz questão de garantir que a mulher se apercebe e se preocupa “O que se passa? Porque é que estás assim?” e faz ainda mais questão que ela perceba que a culpa dele estar assim é totalmente dela independentemente de ser ou não ser: “Nada! Não tenho nada! Já te disse que não é nada!”. Realmente, se não fosse ela, a sua dieta de cervejas e cigarros estaria a ser cumprida no tasco com os amigalhaços em vez de no sofá da sala, o mesmo onde o homem faz questão de dormir que é para no dia seguinte, ter ainda mais razões para culpar a mulher de qualquer coisa que no seu íntimo nem ele sabe bem o que é mas garantidamente a culpada é ela!

Perante este cenário, a mulher, que tem muito mais que fazer (as mulheres têm sempre muito mais que fazer do que os homens embora tentem que eles não percebam), vai para o trabalho a pensar porque raio de motivo o homem se encontra naquele estado. Faz uma análise meticulosa do dia anterior, da semana, do mês e assim sucessivamente à procura do tal momento em que falhou e despoletou todo aquele azedume galopante: uma pitada de sal a mais no arroz, um “até logo” em vez de um “beijinhos, meu amor” numa SMS, um atraso de 10 minutos, … E passa o dia naquela angústia (o dia ou o tempo que durar a birra do homem que é sempre imprevisível) até que outro acontecimento totalmente aleatório como encontrar uma moeda de 2 euros à porta de casa ou, melhor ainda, aquele amigo que já não via desde o ano passado, venha devolver ao homem o ânimo e a boa disposição. E embora ciente de que não há o mínimo fundo de verdade nisso, a mulher pensa de si para si “eu bem sabia que aquela ida ao cinema o iria pôr muito melhor”, “este arrozinho de polvo que ele gosta tanto… desta vez esmerei-me… coitadinho, também não comeu nada ontem… até dá gosto vê-lo comer!” e recupera ela mesma a boa disposição como se aquele sorriso que ele tão encantadoramente lhe retribui fosse um privilégio e ela, de facto, “não tivesse mesmo nada do que se queixar”…

1 comment:

  1. Eu entendo-te...mas é uma espiral dotada de uma força centrifuga incapaz de ser contrariada e que te irá arrastar para o fundo...se o houver: continuarás em espiral descendente e acabarás como as nossas mães ainda irão acabar, ou seja, como as nossas avós (que por sua vez estão mais próximas de acabar...de vez...tal como as nossas bisavós (o meu detalhezinho mórbido).

    De qualquer forma, isto é apenas a nossa desafortunada condição de humanos do sexo feminino que nos coloca nesta situação ingrata de sermos infinitamente mais intuitivas que os nossos congéneres masculinos mas termos de lidar com o seu boçal egoísmo para perpetuar a espécie (por muito que queiramos pensar que não, é este o nosso objectivo na Terra. Estupidamente básico e portanto humano).

    Os nossos congéneres não podem ser contrariados porque essa "dor" é-lhes insuportável (uma simples admoestação provoca *****). Nós toleramos muito e tudo em nome da espécie (embora nem sempre conscientes disso)! Algumas heroínas conseguem ainda criar filhas e, como prova da sua magnificência, até filhos sabendo que como isto irão apenas perpetuar a desgraça da condição humana...

    Tenho dito.

    Beijinhos.

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